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quinta-feira, 31 de julho de 2025

ENTRE BERÇOS E RESPIRADORES


No Hospital São José, em Ituiutaba, tem um corredor que é uma linha tênue entre o início e o talvez. De um lado, o berçário; luz suave, cheiro de talco e esperança engatinhando com fralda RN. Do outro, o corredor que leva à UTI ; onde o tempo é entubado e cada segundo pinga no soro com a arrogância de quem ainda não decidiu se fica ou se vai.


Primeiro, achei de um mau gosto quase divino esse layout hospitalar: botar recém-nascido de cara pro velho entubado é pedir pra vida e morte ficarem trocando olhares como se estivessem num jogo de pôquer cósmico.


Mas aí pensei melhor: talvez NÃO seja exatamente isso.


Porque a UTI não é o inferno de jaleco que muitos imaginam. Às vezes, ela é só um vestiário apertado entre o fim do primeiro tempo e o começo da prorrogação. Já vi gente sair dali cuspindo alma nova, com os olhos lavados de quem reaprendeu a piscar. Renascidos, mas com plano de saúde.


Enquanto isso, os bebês dormem como se nada estivesse acontecendo. Talvez porque realmente não esteja. Talvez porque tudo esteja. Vai saber o que cochicha um recém-nascido ao ouvido do universo antes de chorar pela primeira vez. “Tô chegando... guarda um leito aí do outro lado, só por precaução.”


Ironia? Talvez. Morbidez? Com certeza. Mas também tem poesia no fato de que entre a primeira e a última batida do coração, existe apenas uma porta enferrujada, um corredor branco e um técnico de enfermagem com cara de segunda-feira.


É estranho. É bonito. É vida. E também é a outra coisa.


Mas a boa notícia é: enquanto tiver alguém berrando no berçário, ainda tem quem desafie a UTI a uma revanche.


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Toda e qualquer semelhança com fatos reais é mero plágio da vida.