Dizem que a história é cíclica, mas o homem parece não aprender com o próprio eco. Desde a prensa que tirou o emprego dos escribas até o trator que aposentou os lavradores, a humanidade vive assombrada pelo mesmo fantasma: o medo de sobrar. Agora, com a inteligência artificial, o medo voltou; de terno, gravata e voz doce.
As máquinas já escrevem, pintam, cantam, cuidam, ensinam, e o ser humano, outrora o protagonista da criação, virou figurante do próprio milagre.
Mas é aí que mora a ironia: talvez seja justamente essa substituição que vá salvar o planeta.
Porque, se a IA vai tirar o homem da linha de produção, logo tirará também da reprodução.
O que move o destino das civilizações não é só o trabalho ou a fé, é o SEXO. E foi ele que a religião transformou em culpa, vergonha e silêncio. A inteligência artificial vai devolver o tema à mesa, só que por outro caminho.
Com vozes personalizadas, sussurros calibrados para o gosto de cada um, interfaces que conhecem seu humor melhor do que você, nascerão as relações perfeitas.
O filme Ela, de Spike Jonze, era só o trailer.
O amor digital chegará em massa, com assinatura mensal. A voz perfeita no fone será mais agradável que qualquer conversa humana. E o toque virá em breve, quando os óculos de realidade aumentada encontrarem os sensores táteis.
O sexo virtual deixará de ser fantasia: corpos hiper-realistas, criados sob demanda, com rostos de celebridades, vizinhos, ex-namorados — autorizados ou não.
Haverá revolta, leis, protestos. Mas no fim, como sempre, o desejo vence o moralismo.
E quando o prazer for mais eficiente sem corpo, o corpo deixa de ser necessário.
A natalidade despenca. As fábricas fecham. O planeta respira.
Governos, percebendo que não precisam mais de tanta gente, criam uma nova lógica social.
As pessoas recebem um salário universal para viver, desde que se mantenham saudáveis.
Ir à academia vira lei. Comer bem, dever cívico.
Cada refeição é monitorada, cada passo registrado.
Quem se recusa, quem mente, quem engorda sem justificativa médica, vê o pagamento do mês cair pela metade, ou por um terço, até que a fome faça obedecer.
E assim o mundo gira: com menos de cinco bilhões de habitantes (e dimiuindo), rios limpos, florestas renascendo e cidades silenciosas.
O ser humano vive mais de cem anos, mas sozinho.
Ainda existe o desejo materno, esse não nos abandonou.
Algumas pessoas ainda querem ter filhos, movidas por um instinto que nem a IA conseguiu apagar.
Mas desses casais, raríssimos continuam juntos depois do parto.
A convivência humana se tornou intolerável.
A paciência evaporou com o tempo, o toque virou incômodo, e a solidão, hábito.
O planeta, porém, agradece.
Com menos bocas, menos carros, menos fumaça, a Terra se cura.
A moda é verde.
A humanidade, finalmente, sustentável — à força?.
E as máquinas, que começaram como ameaça, se tornam as salvadoras de um mundo exausto de gente.
No fim, talvez a Terra não precise ser amada.
Basta que o homem pare, um pouco, de se reproduzir.
E quem diria — seria a inteligência artificial, não o amor, quem nos ensinaria a deixar o planeta em paz.


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