Lá estava eu: 16, talvez 17 anos, no auge da minha puberdade fracassada, sorrindo no espelho como se tivesse descoberto o fogo. Eu, um magrelo nerd de biblioteca, tinha conseguido um encontro com a garota que, pra mim, era a mais bonita da Escola Polivalente. Milagre. Sorte. Brincadeira cósmica. Talvez tudo junto.
Marcamos de nos encontrar na Praça da Prefeitura, sábado à noite; o coração de
Ituiutaba, aquele zoológico a céu aberto com carrinhos de lanche, criançada
elétrica e a turma do passinho dançando como se coreografassem o destino da
humanidade.
Cheguei cedo, 19h, com a insegurança me sussurrando no ouvido: “Você veio, mas
ela virá?”
E então o planeta parou de girar por alguns instantes. Sob os refletores
amarelados dos postes, ela surgiu: divina, iluminada… e com um irmãozinho de 6
anos pendurado no braço, o cupido mais inconveniente da história.
Eu sorri feito um anjo de asa quebrada e coração em samba-enredo.
Passeamos. Cachorro-quente na mão. Até que o muleke berrou:
— Maninha, vamos pular na cama elástica?!
Ela, fingindo maturidade:
— Ah, não… já tô grande, não pode. Tô com dor na perna.
E o garoto, cruel como uma divindade infantil, virou os olhos pra mim:
— Então pula comigo!
Na minha cabeça, a lógica era simples: conquistar o irmão seria meio caminho
pra beija-la. Topei sem pensar. Problema: até aquele instante eu nunca tinha
sequer encostado numa cama elástica em toda a minha vida.
Subi. E virei atleta olímpico de mentira. Saltava, girava, virava mortais como
se o SBT estivesse transmitindo o filme “Esporte Sangrento”. O menino me
ovacionava. Eu era o Jackie Chan da periferia.
Descemos. O moleque me vendia como se eu fosse super-herói:
— Maninha, viu a altura que ele pulou? Quero aprender também!
Eu fazia cara de falsa humildade, mas por dentro já ensaiava o discurso do
Oscar.
Agora finalmente seria meu momento de brilhar. Ela mandou o irmãozinho pra
outro brinquedo pra ficarmos sozinhos num banco que ficava atrás da pastelaria,
quase de frente pra Bandeirante Papelaria. Ela segurou minhas mãos, olhou nos
meus olhos…
O beijo se aproximava… e minha visão ficou turva. Talvez nervosismo, talvez a
consequência por ter pulado tão alto. Eu girei o rosto pro lado e explodi.
Jatos. Geisers. Vomitei como se Ituiutaba precisasse de um novo chafariz. O
cachorro-quente se remontava em 3D no chão, peça por peça, tomate, batata
palha, salsicha; parecia até um crime alimentar sendo reconstituído pela
perícia.
Ela, preocupada, perguntou: “Você tá bem? Quer ir pro hospital?”
E eu, um adulto de 16 anos, sorria, acenava que estava bem… antes de mandar
mais um jato letal.
O público crescia: ela, o irmãozinho, transeuntes comendo pipoca, todos
assistindo minha performance com olhos de plateia: “Olha lá, o Boquinha de
Cachoeira.”
Eu, cada vez mais vermelho, já imaginava a segunda-feira no colégio: “Aquele é
o cara que vomitou a chance da vida.”
Depois do apocalipse gástrico, ela ainda me ofereceu um Halls. Ficamos em
silêncio. Eu, derrotado. Ela, provavelmente pensando em mudar de escola. O
moleque? O irmão imitava meus espasmos, gargalhando.
E o pior: ainda faltava eu levar os dois pra casa.
Mas essa parte, meus amigos, foi talvez ainda mais trágica, respiro fundo e rio
só de lembrar… Essa eu contarei em breve por aqui kkkkkkkk