.
Mostrando postagens com marcador * Memórias. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador * Memórias. Mostrar todas as postagens

domingo, 31 de agosto de 2025

Boquinha de Cachoeira


Lá estava eu: 16, talvez 17 anos, no auge da minha puberdade fracassada, sorrindo no espelho como se tivesse descoberto o fogo. Eu, um magrelo nerd de biblioteca, tinha conseguido um encontro com a garota que, pra mim, era a mais bonita da Escola Polivalente. Milagre. Sorte. Brincadeira cósmica. Talvez tudo junto.


Marcamos de nos encontrar na Praça da Prefeitura, sábado à noite; o coração de Ituiutaba, aquele zoológico a céu aberto com carrinhos de lanche, criançada elétrica e a turma do passinho dançando como se coreografassem o destino da humanidade.

Cheguei cedo, 19h, com a insegurança me sussurrando no ouvido: “Você veio, mas ela virá?”

E então o planeta parou de girar por alguns instantes. Sob os refletores amarelados dos postes, ela surgiu: divina, iluminada… e com um irmãozinho de 6 anos pendurado no braço, o cupido mais inconveniente da história.

Eu sorri feito um anjo de asa quebrada e coração em samba-enredo.

Passeamos. Cachorro-quente na mão. Até que o muleke berrou:
— Maninha, vamos pular na cama elástica?!
Ela, fingindo maturidade:
— Ah, não… já tô grande, não pode. Tô com dor na perna.
E o garoto, cruel como uma divindade infantil, virou os olhos pra mim:
— Então pula comigo!

Na minha cabeça, a lógica era simples: conquistar o irmão seria meio caminho pra beija-la. Topei sem pensar. Problema: até aquele instante eu nunca tinha sequer encostado numa cama elástica em toda a minha vida.

Subi. E virei atleta olímpico de mentira. Saltava, girava, virava mortais como se o SBT estivesse transmitindo o filme “Esporte Sangrento”. O menino me ovacionava. Eu era o Jackie Chan da periferia.

Descemos. O moleque me vendia como se eu fosse super-herói:
— Maninha, viu a altura que ele pulou? Quero aprender também!
Eu fazia cara de falsa humildade, mas por dentro já ensaiava o discurso do Oscar.

Agora finalmente seria meu momento de brilhar. Ela mandou o irmãozinho pra outro brinquedo pra ficarmos sozinhos num banco que ficava atrás da pastelaria, quase de frente pra Bandeirante Papelaria. Ela segurou minhas mãos, olhou nos meus olhos…

O beijo se aproximava… e minha visão ficou turva. Talvez nervosismo, talvez a consequência por ter pulado tão alto. Eu girei o rosto pro lado e explodi. Jatos. Geisers. Vomitei como se Ituiutaba precisasse de um novo chafariz. O cachorro-quente se remontava em 3D no chão, peça por peça, tomate, batata palha, salsicha; parecia até um crime alimentar sendo reconstituído pela perícia.

Ela, preocupada, perguntou: “Você tá bem? Quer ir pro hospital?”
E eu, um adulto de 16 anos, sorria, acenava que estava bem… antes de mandar mais um jato letal.

O público crescia: ela, o irmãozinho, transeuntes comendo pipoca, todos assistindo minha performance com olhos de plateia: “Olha lá, o Boquinha de Cachoeira.”

Eu, cada vez mais vermelho, já imaginava a segunda-feira no colégio: “Aquele é o cara que vomitou a chance da vida.”

Depois do apocalipse gástrico, ela ainda me ofereceu um Halls. Ficamos em silêncio. Eu, derrotado. Ela, provavelmente pensando em mudar de escola. O moleque? O irmão imitava meus espasmos, gargalhando.

E o pior: ainda faltava eu levar os dois pra casa.

Mas essa parte, meus amigos, foi talvez ainda mais trágica, respiro fundo e rio só de lembrar… Essa eu contarei em breve por aqui kkkkkkkk





Este é um blog de sonhos cotidianos.
Toda e qualquer semelhança com fatos reais é mero plágio da vida.